24.7.15

Dois Pequenos Milagres - Prólogo

— Eu não vou com você.

A voz de Demi soou estranhamente alta. Joe se endirei­tou e olhou para ela.

— Como assim, não virá comigo? Você tem trabalhado nisto por semanas! O que diabos pode ser mais importan­te que isto? E, se você não vai comigo, quando irá? Ama­nhã? Quarta-feira? Preciso de você lá agora, Demi, há muito a ser feito!

Demi balançou a cabeça.

— Não. O que eu quis dizer é que eu não vou. Não vou ao Japão nem hoje, nem na próxima semana, nem nunca.

Ela não conseguiria ir.

Não poderia fazer as malas e ir para a terra do sol nas­cente. Ela não iria a lugar nenhum. Não de novo, não pela milionésima vez na vida agitada, imprevisível e tempestu­osa que levavam juntos. Ela já fizera aquilo tantas, tantas vezes... E não aguentava mais.

Joe guardou mais uma de suas camisas cuidadosa­mente dobradas na mala e se virou para ela com uma ex­pressão de incredulidade no rosto.

— Você está mesmo falando sério? Ficou louca?

— Não, não fiquei louca e, sim, estou mesmo falando sério. Não quero mais viver assim. Você diz, "Pule", e eu pergunto, "Que altura?". Acabou.

— Nunca tratei você dessa forma!

— Ah, é, você está certo, claro. Você me diz que quer pular, eu pergunto a altura e depois faço com que aconteça, em qualquer país, em qualquer idioma, sob quaisquer cir­cunstâncias.

— Você é minha assistente! Esse é seu trabalho!

— Não, Joe, eu sou sua mulher, e não aguento mais ser tratada como se fosse mais uma empregada. Não vou deixar você fazer isso nunca mais!

Ele a encarou por um longo tempo.

— Você escolheu uma hora péssima para discutir nosso relacionamento, Demi.

— Não é uma discussão de relacionamento. É uma de­cisão clara, bem pensada. Não vou com você e não sei se estarei aqui quando você voltar. Preciso de tempo para pensar.

Joe socou a roupa dentro da mala, mas Demi não se importou. Ele que amassasse suas camisas impecáveis; a lavanderia se encarregava delas porque ela não tinha tem­po. Estava ocupada demais mantendo as engrenagens do negócio funcionando.

— Que droga, Demi, este não é um bom momento. Você sabe o quão importante este contrato é, o que signi­fica para mim. Por que justamente hoje?

— Não sei. Eu apenas... Cheguei ao meu limite. Estou exausta de não ter vida própria.

— Você tem uma vida! Nós temos uma vida boa como o diabo!

— Não, nós apenas trabalhamos.

— E temos obtido imenso sucesso!

— Sucesso profissional? Sem dúvida. Mas isso não é um casamento. Nossa vida em comum não é um sucesso, porque nós não temos uma vida em comum, Joe. Não vimos nossa família no Natal, trabalhamos no Ano-novo. Pelo amor de Deus, vimos os fogos de artifício pela janela do escritório! E você sabia que hoje é o dia de desmontar a árvore e guardar as decorações de Natal!? Acontece que nós não tivemos uma árvore de Natal e não decoramos nossa casa. Joe, nós sim­plesmente ignoramos o Natal! — Ela respirou fundo e conti­nuou: — Nós não estamos aproveitando a vida ou o que construímos, Joe. Quero mais que isso. Eu quero... uma casa, um jardim, tempo para cuidar das plantas, para enterrar minhas mãos no solo e sentir o perfume das rosas... Nós nun­ca paramos para sentir o perfume das rosas, Joe. Nunca.

Ele grunhiu.

— Temos que ir. Vamos perder o voo, estamos atrasa­dos. Tire algum tempo para você, faça o que precisar, mas venha comigo, Demi. Lá você pode fazer uma massagem, visitar um jardim zen budista, qualquer coisa, mas pare com essa maluquice e...

— Maluquice? — perguntou ela, a voz alcançando al­gumas oitavas acima. — Não posso acreditar, Joe, que você não tenha entendido nenhuma palavra do que acabei de dizer. Não quero visitar um jardim zen, não quero mas­sagem. Não vou com você nessa maldita viagem. Preciso de tempo. Tempo para pensar no rumo que quero dar à minha vida, e não tempo para paparicá-lo enquanto você tem ideias mirabolantes, enquanto sua fome por poder au­menta mais e mais. Chega!

Joe correu a mão pelos cabelos. Depois enfiou os sa­patos, pegou sua mala e se virou para ela.

— Você está louca. Não sei o que deu em você, não sei se é aquele período do mês ou o quê, mas você não pode simplesmente resolver que não vai mais trabalhar. Você tem um contrato a cumprir, Demi.

— Um con... — Ela começou a rir desconsoladamente. — Ora, então me processe, Joe.

Demi deu as costas para ele e foi até a janela, calando-se, com medo de dizer algo de que pudesse se arrepender. Ainda estava escuro lá fora, e ela olhou para as luzes de Londres refletidas na superfície do rio, antes de fechar os olhos.

— Estou indo. Você virá?

— Não.

— Tem certeza? Porque, se você não vier, acabou. Não espere que eu corra atrás de você implorando.

— Não se preocupe.

— Estamos entendidos. Onde está meu passaporte?

— Sobre a mesa, com as passagens — disse Demi sem se virar.

Ela ouviu Joe pegar os documentos, andar até a porta, parar e respirar fundo. Ele esperou por alguns segundos... Pelo que, exatamente? Que ela cedesse? Que pedisse des­culpas? Que dissesse que o amava?

Demi não se moveu.

— Sua última chance.

— Eu não vou, Joe.

— Tudo bem, faça o que quiser. E me avise quando mudar de ideia.

Ela o ouviu se afastando e fechando a porta do quarto.

Esperou até ouvir que a porta da frente também fosse fechada. Então, sentou-se e suspirou.

Ele se fora. Ele realmente se fora. E os únicos motivos que ele dera para ela seguir com ele estavam relacionados a trabalho. Um contrato!

— Maldito seja, Joe! — gritou ela para o quarto va­zio. E então, começou a chorar, sacudida por soluços de pura amargura.

Sentindo-se subitamente mal, correu para o banheiro e vomitou, para depois deixar-se ficar no chão frio, desam­parada.

— Eu amo você, Joe — sussurrou ela. — Por que você não me ouve? Por que você não quer nos dar uma chance?

Teria ela ido com Joe se ele tivesse parado um segundo, dito que a amava e que precisava dela para depois tomá-la em seus braços?

Não. E, de qualquer forma, aquele não era o estilo de Joe.

Ela poderia facilmente começar a chorar de novo, mas não daria a ele essa satisfação. Assim, Demi se levantou, lavou o rosto, escovou os dentes e se maquiou. Depois, foi até a sala e apanhou o telefone.

— Jane?

— Demi, bom dia, querida! Como vai?

— Bem. Acabo de deixar Joe.

— Como assim?

— Eu o deixei. Bem, na verdade, foi ele quem me deixou...

Depois de um breve silêncio, Jane respirou fundo e disse:

— Certo. Onde você está?

— Em casa, Janey, e não sei o que fazer a seguir.

— E onde Joe está agora?

— A caminho do Japão. Eu deveria ir também, mas não pude.

— Certo. Faça uma mala. Jeans, botas e um bom casa­co, porque aqui está gelado. Estou a caminho. Você vem ficar comigo. Estarei aí em uma hora e meia.

Demi vasculhou seu guarda-roupas atrás da calça jeans, apenas uma, que estava certa de ainda possuir, e um velho par de botas há muito abandonado, já que trabalhava usando roupas elegantes e saltos altos.

A foto de seu casamento estava sobre a cômoda, lembrando-a de que eles não tiveram tempo para uma lua de mel. Depois de uma breve cerimônia civil, Joe a levara para um hotel e fizera amor com ela, até que eles não aguentassem mais. Ela dormira em seus braços e até mesmo acordara abraçada nele, já que, pelo menos daque­la vez, Joe não a deixara sozinha na cama e não se levan­tara no meio da noite para trabalhar em seu laptop, toma­do por uma energia que nunca parecia abandoná-lo. Ah, aquilo parecia ter sido há tanto, tanto tempo. Demi engoliu em seco e deu as costas para o porta-retratos olhando em volta. Não havia nada daquela casa que ela quisesse levar consigo.

Ela pegou seu passaporte, mas apenas para que Joe não o pegasse, não porque quisesse ir a algum lugar. Seu passaporte era um símbolo de liberdade, ela o queria com ela. E talvez ele fosse útil. Demi não podia imaginar para que, mas, de qualquer forma, guardou-o em sua bolsa. Em seguida, colocou sua mala junto à porta, jogou fora todos os perecíveis da geladeira e se sentou no sofá da sala para esperar Jane, ligando a televisão para se distrair.

Segundo a repórter que aparecia na tela, aquele dia, a primeira segunda-feira do ano, era conhecido como "segunda-feira do divórcio". A repórter continuou falan­do, explicando que aquele era o dia em que, passados Na­tal e Ano-novo, milhares de mulheres respiravam fundo para tomar coragem e contratavam advogados, dando iní­cio aos seus processos de divórcio.

Oh, meu Deus.

*****

Duas horas mais tarde, ela estava sentada à mesa da cozi­nha de Jane em Suffolk.

Jane ofereceu-lhe café, mas o cheiro a fez ficar enjoada novamente.

— Desculpe... Não consigo — disse ela, recusando a xícara que a amiga oferecia e correndo para o banheiro para vomitar mais uma vez. Quando finalmente conse­guiu se aprumar, Jane esperava por ela junto à porta, pare­cendo muito preocupada.

— Você está bem?

— Vou sobreviver. É só tensão, Janey, eu o amo e estra­guei tudo. Ele foi embora.

Jane abriu o armário do banheiro, apanhou uma caixa e entregou para a amiga.

— Um teste de gravidez? Não seja louca. Você sabe que não posso engravidar. Tive problemas com a cirurgia do apêndice, lembra? Fiz milhares de teste, é impossível, não existe a menor possibilidade de...

— "Impossível" é uma palavra que não existe e eu sou a prova viva disso. Faça o teste. Por mim.

Jane saiu do banheiro e fechou a porta. Demi leu as ins­truções, achando aquilo tudo tolo e sem sentido. Ela não poderia estar grávida. Não havia possibilidade.

*****

— O que, em nome de Deus, vou fazer da minha vida?

— Você quer ficar com ele?

Ela sequer pensava naquilo. Mesmo chocada com o re­sultado, sabia a resposta e sacudiu a cabeça.

— Não. Joe sempre foi muito claro a respeito do fato de não querer filhos. E, de qualquer forma, ele teria que mudar muito, muito mais do que é possível um ser humano mudar, para conseguir cuidar de um bebê. Você acredita que ele me disse que eu não podia deixá-lo porque tínha­mos um contrato?

— Talvez essa seja apenas a forma dele de lidar com suas próprias emoções, Demi.

— Joe? Não seja ridícula. Ele sabe muito bem como lidar com o que quer que seja. Ele disse que, se eu não fosse com ele, estava tudo acabado, e ele não estava brin­cando. — Ela fez uma pausa. — Preciso encontrar uma casa, Janey, não posso ficar com você e Pete para sempre, especialmente porque você também está grávida. — Outra pausa. — Não posso acreditar que estou grávida depois de todos esses anos.

Jane riu.

— Acontece, querida, acontece. Sorte sua eu ainda ter um teste guardado. Refiz o teste várias vezes, mal poden­do acreditar, como você. Mas estou feliz, as crianças tam­bém. Agora, me diga, onde você quer viver? Na cidade ou no campo?

Demi tentou sorrir.

— No campo, que tal? Acho que realmente não quero voltar para Londres. Você pode não acreditar e até mesmo rir de mim, Janey, mas quero ter um jardim.

— Um jardim? — Jane pareceu lembrar-se de alguma coisa. — Espere aí.

A amiga deixou a cozinha e Demi pôde ouvir sua voz abafada falar com alguém no telefone do escritório. Jane voltou para a cozinha cinco minutos depois, parecendo animada.

— Pete tem um amigo, John Blake, que está de mudan­ça para Chicago, onde viverá por um ano. John encontrou alguém para cuidar de sua casa, mas parece que a coisa não deu certo, e ele está desesperado atrás de uma pessoa que assuma esse compromisso.

— Por que ele simplesmente não a deixa fechada?

— Porque ele vai ter que voltar para cá algumas vezes nesse período, então vai precisar que a casa esteja em ordem. É uma casa maravilhosa, as despesas continuarão a ser pagas por ele e tudo que você tem a fazer é viver lá, cuidar um pouco das coisas, não dar festas malucas e chamar o encanador se necessário. Ah, e alimentar o cão, passear com ele, essas coisas. Você gosta de cães, não?

Demi assentiu.

— Adoro cães. Sempre quis ter um.

— Ótimo. Murphy é um amor. Você vai adorá-lo, vai amar a casa. A casa-se chama "Chalé das Rosas" e tem um jardim absolutamente incrível. Fica perto daqui, assim nós poderemos nos ver sempre. Vai ser divertido.

— Você acha que ele vai se importar com minha gravi­dez?

— John? De jeito nenhum. Ele adora bebês. E, de qual­quer forma, ele não passará tanto tempo por aqui. Venha, vamos até a casa dele, acertar os detalhes.

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Fic nova no ar! Comentem bastante para o 1° capítulo
xoxo

3 comentários:

  1. Ansiosa..........começou ja abalando.....Posta Logo!!!!!!!!!!!!

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  2. Fic mal começou e ja to com raiva do joe... mas amei posta mais

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  3. Animadíssima pra essa história..... continuaaa.....

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